Repercussões da crise americana


Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o orçamento americano é baseado em premissas fantasiosas. Com um crescimento acelerado, em razão do que as empresas americanas faturavam no exterior, a partir da reconstrução da Europa e do Japão, e internamente, com a Guerra Fria, que estimulava a produção de artefatos bélicos – inclusive o desenvolvimento tecnológico. Nos bastidores da inteligência de espionagem, o governo elaborou uma estratégia de juros internos baixíssimos para subsidiar o consumo e remunerar investidores com papéis do tesouro. Esse é um resumo da economia yankee, que por quase 50 anos viveu muito bem, obrigado, sem que os Estados Unidos tivessem lastro financeiro para amparar ao valor que estava no papel.
Assim, um terço dos orçamentos americanos não passa de numerologia fictícia, ou seja, não há dinheiro suficiente para remunerar os investidores dos papéis do Tesouro Americano, muito menos pagar as dívidas, antes limitadas a 80% do orçamento e hoje, iguais a 100%. Em resumo, o Federal Reserve – o banco central americano, e o Tesouro Americano terão que despender um esforço muito maior para cumprir todos os compromissos de curto prazo. Em outras palavras, se fosse protestado, o governo teria que lançar mão de reservas estratégicas para saldar as suas dívidas.
Tudo o que ocorre hoje na economia americana é resultado da descoberta, há cerca de uma década, de que bancos, fundos de pensão e outras instituições concederam mais crédito do que poderiam aos cidadãos americanos, com o governo subsidiando a juros baixos a “aquisição” de dinheiro investido na compra de imóveis, carros, viagens, estudos dos filhos, planos de aposentadoria e outras coisas comuns na vida de cidadãos comuns. Há muito tempo os americanos vivem sustentados pelo governo, com juros baixíssimos.
É possível que este seja o sistema econômico “ideal” para a sociedade, mas com certeza, a longo prazo, é inviável para qualquer governo. Quando os mercados sofrem algum abalo e o consumo cai, vira uma bola de neve. Com menos consumo há menos emprego, com menos emprego cai a arrecadação de impostos e aumenta a despesa governamental com benefícios sociais e investimentos em educação e saúde, porque mais pessoas vão recorrer ao público, já que terão menos dinheiro para o setor privado. Desta forma há mais desemprego e atrasos sucessivos nos pagamentos de contas como as hipotecas e outros financiamentos. Aumentando o “calote” do consumidor, as instituições recorrem ao governo, que amplia os subsídios ou joga mais dinheiro no mercado para equilibrar as contas dos grandes conglomerados econômicos, em tentativa desesperada de manter a saúde financeira do sistema.
O grande problema dos Estados Unidos foi a manutenção de uma taxa de juros baixa ao consumidor. Com cerca de 317 milhões de consumidores vivendo com juros subsidiados, se torna necessária a emissão de papel em velocidade impressionante, o que por si só resulta em aumento da dívida pública – o maior fantasma enfrentado pelos EUA, mesmo com um PIB, em 2009, na ordem de US$ 14,1 trilhões. E aí surge uma nova bola de neve. A única saída é incentivar os negócios no exterior, com a descoberta de mercados, a produção em escala e o aumento das exportações. Mas os Estados Unidos, com o dólar valorizado, são os maiores importadores do mundo, com uma produção de alimentos cara e também subsidiada, além de reservas de mercado que dificultam as negociações.
Caminho viável foi criar o factoide da guerra contra o terrorismo – que diferentemente dos tempos de Guerra Fria, é uma ameaça muito mais presente e perigosa que os soviéticos e os países do bloco comunista. Fidel, até por seu estado de saúde, deixou de ser o principal adversário e no meio de toda a crise, Hugo Chavez ganhou a dimensão local que sempre deveria ter tido, porque não representa absolutamente nada no contexto internacional.
Hoje, a Europa está com os mercados estagnados e a grande ameaça à produção em escala, que fez a vantagem dos EUA nos mercados internacionais, vem da Ásia. Os chineses produzem muito a custos baixíssimos e exportam até para o Japão, outro campeão em produção. A Alemanha e demais países europeus do chamado “Primeiro Mundo” estão inchados com refugiados da África e do Oriente Médio e não há mais espaço e condições para abrigar a todos. O negócio é criar e explorar os novos mercados, e o mais próximo dos capitalistas é a América Latina, especialmente o Brasil.
Por seu tamanho, os Estados Unidos continuarão a crescer, mas o cidadão americano vai passar por apertos e os governos terão que cortar gastos. A dívida pública precisa ser reduzida, mas se os juros baixarem ainda mais corre o risco de haver fuga de capital, essencial para manter a produção e a arrecadação de impostos. Se aumentarem demais, o capital sai da produção e migra para a especulação.
É preciso cortar a própria carne, ou seja, seguir a cartilha que os próprios americanos ajudaram o FMI – Fundo Monetário Internacional, a escrever: reduzir o déficit público cortando gastos, incentivar a produção, manter a taxa de juros em patamares equilibrados, concentrar investimentos, aumentar a produção, gerar empregos e possivelmente, reduzir impostos a fim de estimular a produção.
Enquanto isso, outros mercados, como o brasileiro, vão demonstrando mais saúde financeira, porque no passado, alguém se lembrou de lastrear o caixa, construir orçamentos mais enxutos, reduzir o déficit público, privatizar empresas e setores estratégicos que sob o comando da máquina pública eram ineficientes, estimular a produção e aumentar a geração de emprego e renda.
Nesse contexto, o Brasil é o país mais bem preparado para enfrentar a crise, embora tenha outros adversos, como baixo nível de escolaridade, deficiências em infraestrutura – o que pode comprometer a produção, necessidade de capital externo, burocracia excessiva, alta carga tributária e encargos trabalhistas que oneram o setor privado, elevando o custo dos investimentos. Ainda assim, diante da crise internacional se mostra como um mercado em plena expansão e grandes possibilidades.
É possível dizer que o momento é vantajoso para o investidor que pretende aportar capital em terras brasilis. A globalização proporciona benefícios de uma economia “mundializada”, mas com uma ordem de valores diferente daquela conhecida por outros países. Ao contrário da pujança econômica americana e europeia da última metade do século passado, a cultura econômica brasileira foi baseada em recessão, além de sucessivos e fracassados planos econômicos, que pavimentaram, de forma inversa, um caminho de duro aprendizado e muito sofrimento.
Com economia estabilizada, o suposto atraso em relação aos países desenvolvidos torna o País extremamente atrativo, principalmente por conta da boa nota de risco para investimentos de curto e médio prazo e tendência de melhora na nota para investimentos de longo prazo, que é o que mais importa para o capital produtivo, muito embora, na América do Sul, o Brasil ainda esteja um degrau abaixo do Chile. Porém, com um mercado consumidor mais amplo, melhor posicionamento estratégico e o cumprimento de metas fiscais, a realidade brasileira acena como boa oportunidade para o capital produtivo.

11 comentários em “Repercussões da crise americana

  1. MUITO BOA A SUA ANÁLISE, PORQUE ALÉM DOS DADOS APRESENTADOS, SUA EXPOSIÇÃO É CLARA E PRECISA.

  2. Gostei da matéria. Parabens! Como é importante e saudável ler um artigo tão bem redigido. Mais um parabens!!!!!!!!!!!!!!!!

  3. Parabéns meu irmão!!!! Muito Bom!!! Você deveria estar escrevendo nos melhores jornais do país. Saudades. Grande abraço.

  4. Excelente matéria! Parabéns pelo seu profissionalismo e continue compartilhando suas “interpretações” conosco…
    Grande abraço

  5. Que percepção meu caro!

    Certamente que na UCM, na Estácio ou na Universo tem uma vaga entre os catedráticos na cadeira de economia para você!

    Abraço grande!

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