Obra e arte

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Cada palavra era meticulosamente montada, letra por letra, no velho prelo encostado no fundo da oficina, quando ele, com sua paciência quase milenar exercia a arte herdada de seus ancestrais, que trouxeram da Europa as mais “modernas” técnicas de impressão do século XVIII. Parecia inimaginável que aquele senhor de óculos com aros finos, quase translúcidos como as lentes, ombros curvados e passo lento, pudesse montar as páginas dos livros que imprimia de forma artesanal; uma preocupação quase insana, diante de tanta tecnologia, de tantos equipamentos modernos, de tantas novidades, que permitiriam uma impressão mais rápida e “limpa”.

Pouco se importava com os computadores e as técnicas modernas; com as impressoras ágeis e impressões em diversas cores. Ele gostava do velho papel de linho que comprava com um fornecedor na área do Cais do Porto e chegava com um perfume amadeirado. Usando técnicas que aprendera com seu avô e foram aperfeiçoadas por ele e pelo pai, preparava a própria tinta que assentava sobre as folhas virgens, uma a uma durante as impressões. Nenhuma falha; nem pressão a mais, nem a menos e uma a uma as páginas iam sendo “pintadas”, dando uma espécie de forma à vida dos personagens mais diversos.

Em cada uma, a perfeição do trabalho manual, com a riqueza de detalhes com a qual ele se preocupava. Não importava quantos exemplares fossem: um, dez ou cem. Não importava se muitos ou poucos leriam os livros, mas eles estariam lá, impressos à sua maneira, de forma inigualável e inestimável; e após lidos por uns e outros, iriam para uma bela estante, ostentando capas duras, algumas produzidas em couro, estampadas em alto e baixo relevo com as gravuras que ele mesmo produzia, “batidas” nas peças que ele mesmo esculpia, tão calma e meticulosamente quanto as páginas que compunha.

Dia após dia, prosseguia naquele trabalho incansável de restauração de obras clássicas, de forma artesanal e meticulosa, como imaginara que as primeiras obras tivessem sido impressas. E sua estante e as de outros enchiam de livros, com os melhores autores da história, com as melhores histórias dos melhores autores, com as vidas que os livros criavam.

E assim prosseguia em sua rotina, lenta e calmamente, perseverando quando ninguém acreditava mais possível prosseguir.

O ser e suas consequências

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Somos a consequência de nós mesmos, ou seja, de nossos próprios atos. Constatei isso aos 10 anos, quando um dia, ao jogar bola na rua com meus amigos, ignorei os conselhos de minha mãe para usar tênis e estourei o dedão do pé esquerdo. Voltei para casa com a unha pendurada e o dedo ensanguentado. Passei dias sem poder jogar bola, calçando com dificuldade e torcendo para que ninguém pisasse no dedo arrebentado. Porém, continuei jogando descalço, tomando os cuidados necessários para que o fato não se repetisse. Daí me veio outra constatação: experiência é tudo e as mais dolorosas são também as mais marcantes.

Estou escrevendo isso porque há muito tempo cheguei a uma conclusão lógica: vivemos diariamente dilemas e dicotomias. Ao mesmo tempo em que pensamos em fazer algo, algo inesperado pode nos levar para outra rota. Buscamos atalhos e muitas vezes encontramos desvios bem mais longos do que esperávamos, nem sempre mais fáceis. Os obstáculos se colocam à nossa frente. E daí que se chega à outra conclusão: é preciso haver foco, objetivo. Sem isso, nada feito. A vida gira em torno de algumas leis da Física e da Matemática, quase simples assim, como a lei da ação e reação, por exemplo. Em alguns momentos a reação é chamada de consequência.

Já a Matemática está relacionada a nós, ao nosso cotidiano, em diversas representações. Uma das mais evidentes é que podemos ser vistos ou vivermos como um conjunto unitário. Porém, na verdade, somos um conjunto formado por milhares de outros conjuntos: biologicamente somos um conjunto de células; pela visão da Química, um conjunto de elementos e componentes, como H20, que compõe 80% do nosso organismo; pela Física, somos um conjunto de peso, massa e movimentos; a História nos prova que somos um conjunto de nossas decisões; a Geografia nos situa em algum lugar, nos tornando estatística de outros conjuntos. E por aí vai.

O problema do ser humano é que ele se impõe limites. E quando há limites, tudo fica mais difícil. Não que não haja necessidade de se delimitar alguns conceitos, claro que sim. Porém, ficar atado a eles sem conseguir olhar o todo, impede que se prossiga o caminho como se deseja. Quem mais usa a Matemática com olhos para os conjuntos infinitos, ou seja, quem não se impõe limites muito rígidos, tende a avançar mais. Quem se prende demais a pré-conceitos, tende a ser mais restrito em seu caminhar. Entretanto, tudo depende dos objetivos.

Outra coisa que precisa estar alinhada são os conceitos e a prática. Teoria e execução devem, ou deveriam caminhar juntas. A demonstração da eficácia dos conceitos é fundamental para a vida. Einstein obteve sucesso, assim como Newton, porque conseguiram enxergar além dos que todos em sua época e comprovaram. Platão, Sócrates e outros pensadores continuam “vivos”, porque suas teorias foram testadas ao longo do tempo, embora pudessem ser contestadas em sua época. Assim como eles, os sofistas, que continuam por aí, também conseguiram provar que uma boa “conversa” é capaz de enganar a muita gente, porém, não o tempo inteiro.

O simples fato de “ser”, já é uma consequência que vai gerar outras. Ser um “Ser”, com maiúscula, simplesmente, já é uma consequência de algo. Tudo na vida está encadeado, assim como nada acontece por acaso. O livre arbítrio nos dá a possibilidade de escolhermos, mas nem sempre, há mais de duas opções. Os caminhos, em geral, são divididos por bifurcações, não por encruzilhadas, pelo simples fato de que quando há mais do que duas opções as chances de acerto são reduzidas a um quarto das possibilidades. Então por que reclamar, se as nossas chances, na maioria das vezes são de 50% de acertos? É uma questão de ponto de vista. Alguém menos otimista, ou eu mesmo, em algum momento, posso pensar que na verdade tudo tem 50% de chance de dar errado.

Risco todo mundo corre. Para tudo na vida há um risco e o que se precisa é saber administrar os riscos; risco calculado. Quando se atravessa a rua com o sinal fechado, há um risco mínimo de ocorrer um problema, correto? Pode ser, mas depende do ponto de vista, das condições climáticas, da sua própria disposição para que esta ação simples e rotineira dê certo. Atravessar a rua com otimismo significa que você o fará com a cabeça erguida, atento a qualquer imprevisto, passos firmes, sem se apavorar com esse ato simples. Daí que se no sentido contrário vier alguém correndo, meio atônito, olhando para o sinal vermelho torcendo que ele não abra no meio do caminho e sem perceber a sua presença, você ainda terá tempo de desviar, ou mesmo ajudar aquele que por algum motivo leva consigo certo medo, receio ou apavoramento.

Então, mesmo que tudo não esteja 100% certo, mesmo que haja indicativos de erro, mesmo que a vida não esteja andando como você calculou, mesmo que seus atos tenham sido aparentemente errados, dissonantes ou controversos, mesmo que suas certezas tenham sido pulverizadas com o tempo, assim como as minhas e as de muitos, mesmo que a Bolsa tenha caído, mesmo que o saldo bancário seja insuficiente, mantenha sempre em você mesmo um fio de esperança, contido em todos os fundamentos: nada é definitivo, a não ser a morte. Nada é para sempre, a não ser que você permita; tudo é possível desde que você planeje e execute. Acaso é apenas uma palavra contida no dicionário, não uma consequência de seus atos.

Aprenda com os erros, busque reduzir a margem de erro, não exceda nas cobranças pessoais e nem de seus semelhantes, não pense ser o exemplo martirizado, não margeie a sua própria vida, conduza-a. Mesmo que aos olhos do mundo não pareça correto. Seja feliz acima de tudo e qualquer coisa, sem ser um bobo alegre. Ser feliz não quer dizer rir de tudo, em todos os momentos. Quer dizer que você aceita a si próprio, como você, com suas falhas e virtudes, que você encara, reconhece e aceita a possibilidade de tudo na vida ter um “efeito dominó” e que sua virtude principal é viver!

 

A vida é um filme

Na vida a gente passa por momentos interessantes. Às vezes conflitos internos, dúvidas, insegurança; eventualmente conflitos externos, problemas no, ou com o trabalho, mas basta um sorriso, uma mão amiga, uma palavra de conforto, quem sabe uma boa leitura, uma música, um canto de um pássaro, algo que toque você de maneira especial e pronto: as coisas começam a mudar. Fico impressionado como o ser humano, pelo menos aqueles um pouco mais sensíveis, são suscetíveis às oscilações. Não são mudanças repentinas de humor, são oscilações naturais no comportamento. Nada de bipolaridade!

Tenho amigos de todos os tipos: desde os insensíveis, completamente refratários a qualquer tipo de intempérie, até o mais vulneráveis que balançam até mesmo quando o “oi” é dito de forma diferente. Não é questão de segurança ou insegurança, é de personalidade e comportamento. Cada um tem o seu. Aprendi que o importante é convivermos com as diferenças, com as mudanças, nos adaptarmos às situações, porque na verdade, as situações estão ali e não são elas que vão se adaptar a você.

Não sei bem o motivo, mas me veio à cabeça uma frase do filme de animação “Carros”, que assisti dezenas de vezes com meu filho mais novo: “encontre um ritmo confortável e siga em frente”. E a vida tem que ser assim, apesar dos pesares, das forças contrárias e de você mesmo. Talvez esse seja o grande segredo: encontrar um ritmo confortável, o que admito, não é fácil.

Aliás, “Carros” não é um filme só para crianças. É para qualquer idade; e não apenas para apaixonados por automobilismo. É uma lição de vida, assim como a maioria dos filmes de animação produzidos nos últimos tempos. Se a vida a gente é um filme, com certeza há muitos filmes que servem de inspiração para a vida de todos nós! Que bom seria se cada pudesse contar suas histórias. Não histórias de grandes conquistas, de grandes realizações, mas as mais simples, aquelas de encontros e reencontros, de partidas e chegadas, de momentos simples. Para ser grande, não são necessários grandes feitos, grandes realizações, porque afinal de contas, toda grande caminhada começa com apenas um passo: o primeiro.

Os números de 2011

 

Aqui está um resumo:

Um bonde de São Francisco leva 60 pessoas. Este blog foi visitado cerca de 3.300 vezes em 2011. Se fosse um bonde, eram precisas 55 viagens para as transportar.

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O Tempo

Desde que fiz 40 anos tenho pensado cada dia mais sobre quanto vale o tempo. Ultimamente ando cantarolando com certa frequência àquela música do Caetano, que fala Dele: “tempo, tempo, tempo, tempo…”. O tempo de estar com a família, com os amigos, de viver coisas simples – que são as boas coisas da vida, o trabalho, o tempo das revelações diárias – o amanhecer, o entardecer, o cair da noite, o silêncio das madrugadas, invariavelmente ocupados com uma simples leitura ou algum estudo, ao contrário de quando eram ocupadas com trabalho.

Aos 40 anos faz-se um balanço da vida e o meu começou aos 39, com um certo apavoramento, chegando à conclusão que provavelmente teria menos tempo de vida dali para a frente, do que o decorrido até então. Sem querer acabei parafraseando Mário de Andrade, pensando nas jabuticabas na bacia. Fiz a conta das coisas já vividas e noves fora umas e outras, concluí que fiz muito mais do que esperava, mas muito menos do que pretendia, ou deveria ter feito. E de certa forma isso causou um sentimento de vazio, misto de preocupação com um desconforto por ter tantas coisas imaginadas e poucas realizadas.

Assustou-me o fato de ter menos tempo de vida para tudo o que se gosta, como um caminhar pela praia no amanhecer ou entardecer, ouvindo as ondas quebrarem na arrebentação e se espalharem preguiçosas pela areia, para recolher-se pouco depois, mais mansamente, iniciando novamente um ciclo sem fim, interrompido somente de tempos em tempos com mar bravio, agitado por ventos mais nervosos, que é como se a natureza nos chamasse a pensar sobre tudo o que temos feito contra ela. Em compensação, há menos tempo para as coisas que não se gosta, lembrando novamente o Mário de Andrade.

Próximo aos 41 tornei-me pai pela terceira vez. Foi como se remoçasse alguns anos. Alguns bons anos, porque me trouxe de volta a relação com meu velho pai – que na época já havia morrido – a quem só passei a compreender realmente após ter me tornado pai de duas belas meninas, entretanto de maneira inversa: agora eu era o pai, e não o filho. Sobre isso, lamentei o fato de meu filho não ter convivência com o avô, pois ele foi um grande sujeito, ótimo amigo, um guia – de coisas boas e ruins, que com o tempo de vida foi se moldando, tornando-se mais afável, mais carinhoso, mais compreensivo, um pouco melancólico, entretanto menos tolerante com a ignorância de um mundo em mutação. Sorte ele – meu filho – ter podido alegrar o outro avô, na época com problemas de saúde.

Estranha essa coisa do tempo, que às vezes trás repetições da vida, mas de uma forma diferente, porque a cada segundo, nada é igual ao que passou. Quando meu filho mais novo veio ao mundo, eu tinha praticamente a mesma idade de meu pai, quando nasci. Ele, assim como eu, foi o terceiro filho, e igualmente como no meu caso, o avô paterno já havia morrido. Meu avô paterno morreu no mesmo ano em que nasci, enquanto meu pai morrera cinco anos antes dele nascer, mas meu filho teve um breve convívio com o avô materno, o que no meu caso não aconteceu, pois o pai de minha mãe morrera quando ela tinha apenas cinco anos. São as repetições do ciclo da vida, modificadas conforme o desejo de algo ou alguém que rege o universo, delimitando tempo, espaço, ações, reações e outras coisas. Jamais acasos.

Recentemente, lendo um livro muito interessante sobre o caminho de Santiago de Compostela, na Espanha – que pretendo ainda ter tempo para fazer, li uma frase simples, contudo, reveladora que falava sobre a relação entre pais e filhos: “a preocupação do filho em relação ao pai é muito diferente daquela do pai em relação ao filho”, o que é absolutamente uma verdade, porque os mais jovens, embora queiram – em sua maioria, o melhor para seus pais, têm um tempo diferente, visto que o mundo daqueles que vêm depois é outro, muitas vezes antagônico dos que vieram antes.

Essa coisa do tempo é muito interessante. Impressionante pensar que algo tão intangível como ele tenha tanta importância na nossa vida, especialmente depois do advento da internet, do telefone celular e outras coisas tecnológicas, que em vez de nos proporcionarem mais tempo pelas supostas facilidades, atribuíram uma importância tal e carimbaram um “urgente” em coisas tão banais quanto a responder uma simples carta, ou melhor, mensagem eletrônica – ou e-mail, para os iniciados.

É claro que a tecnologia trouxe uma série de praticidades – e não vale falar delas agora, mas ao mesmo tempo – olha ele aí de novo, conferiu pressa ao mundo, parecendo ter encurtado os dias, acelerando o tic-tac do relógio, espremendo as manhãs entre uma madrugada não dormida e uma tarde acelerada, porque o relógio não dá descanso, não para, não tira folga, não falta ao serviço, não fica doente, não sai pra vadiar, não pensa nos segundos seguintes, muito menos nos passados. E me recordo de um provérbio que diz que “o tempo passado não volta”. De fato, não há retorno para o que se fez ou deixou de fazer. Não há como retroceder no tempo como Super Homem, carregando Lois Lane nos braços, fora da órbita terrestre, girando em sentido contrário ao da rotação. Não há “efeito borboleta” que seja capaz de refazer o que se foi, pelo menos exatamente como era antes, nos dando a oportunidade de agir dessa ou daquela maneira, tentando reparar erros ou melhorar as coisas, porque tudo na vida possui uma razão específica, um encadeamento, sem acasos e sem que saibamos ao certo, onde começa ou termina o tal do livre arbítrio. Porém, não se iludam: o acaso não existe.

Por certo, na melhor das hipóteses, esse tal de livre arbítrio, que vem a influenciar – ou ser influenciado, não sei – pelo velho conhecido Tempo – agora como sujeito de todas as coisas, no final das contas me parece um grande engodo, porque não há uma encruzilhada no fim “daquele” caminho, mas no máximo uma bifurcação, levando para a esquerda ou para a direita, desprezando todos os pontos cardeais anotados na bússola, que aliás, esteja aonde estiver, aponta apenas para uma mesma direção – o Norte. Então, cabe ao tal livre arbítrio a escolha de outras direções, porém, contudo, entretanto, todavia, elas não estão em todos os mapas e nem sempre são opções viáveis.

A mim, parece pouco razoável esse negócio de haver apenas duas opções: direita ou esquerda, certo ou errado, bem ou mal, bom ou ruim, sim ou não; mas filosoficamente falando, sem querer me comparar a qualquer pensador de qualquer tempo – eis o mesmo, novamente – possivelmente seria menos  razoável ainda, existir mais de duas, eis que uma terceira via trataria de ser não mais que um vazio, pois o que é um “talvez”, se não um imenso vazio, uma grande incerteza, uma inconsistência sob todos os aspectos, visto que ele – o “talvez”, antes de mais nada é uma lacônica e ininteligível negação de qualquer uma das possibilidades, seja o sim ou o não, o certo ou o errado, o belo ou o feio? Essas não são ofertas na prateleira do supermercado, não vêm com marca registrada e nem código de barras. São decisões da vida. E quão difícil e doloroso seria se existissem mais de duas opções, pois se com apenas duas, nos tornamos tão confusos, complexos, dicotômicos, paradoxais, antagônicos, duvidosos, vacilantes, transversais, tergiversantes, imprevisíveis… imagine-se com mais de duas opções!

O que seria do branco – na fotografia, presença total de luz – não fosse o preto – ausência completa de luz, no diafragma de uma câmera? Eis que o equilíbrio feito pela medida certa de abertura e velocidade, calculando o tempo – que surge mais uma vez, agora como contagem de milésimos, décimos, segundos, minutos… se faz preciso para registrar uma fotografia daquele instante de tempo, então com valor de momento. Daí, podemos concluir que o tempo, não mais que ele e apenas ele, é capaz de mover o mundo, fazer as coisas acontecerem e ser um digno e justo aliado, conferindo equilíbrio necessário para todas as coisas, muito embora a balança sempre dê a impressão que colocaram um peso a mais nas suas costas, ou que alguém anda querendo te atribuir uma responsabilidade a mais, te enganar ou tão somente surrupiar alguma coisa, nem que seja tão somente um tempinho a mais ou a menos, dependendo do ponto de vista, ou da situação.

Paro e olho para trás. É possível ver o tempo que passou, encadeando uma história muitas vezes sem nexo, muitas vezes sem grandes diferenças da maioria dos mortais, pois que somos todos semelhantes, porém com algumas diferenças. Assim como o tempo que passou e não volta mais, mas que certamente renovará o ciclo, contando uma história idêntica, às vezes trazendo um dèjá vu, que é aquela sensação de que determinado momento ou situação já foi vista ou vivida. O tempo futuro está lá no horizonte, que se vislumbra muito longe, quase perdendo de vista, pois a caminhada começa agora, nesse instante, no exato momento em que se termina uma coisa e começa outra, num ciclo sempre renovado do qual constam interseções unindo os diversos conjuntos unitários, finitos, infinitos e até os vazios, que formam o grande conjunto universo.

Enquanto isso o tempo, só ele, percorre a sua vida sem que você se dê conta do quão importante ele é para você e você para ele, numa simbiótica relação de cumplicidade, sem valorizar os momentos, por mais ínfimos que sejam, por mais desprezíveis que possam parecer; sem olhar para os lados e indiferente, seguir, ou recuar. Mas o tempo está ali, sem que você perceba, sem fazer ruídos, sem chamar a sua atenção, sem relâmpagos e nem trovões, sem o mar bravio, sem ventos, nem tormentas, mas apenas como uma brisa. Imperceptível e indecifrável tempo.

Europa dependente da China?

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Quando Marco Polo cruzou o continente europeu e chegou à China, em meados de 1272, descobriu um país de tradições milenares e uma tecnologia, para a época, inovadora, além de conceitos que durante séculos foram usados pelo Ocidente. O desbravador trouxe para a face ocidental do mundo muito mais que o macarrão, transformado em símbolo de sua Itália (Polo nasceu na República de Veneza, em 1254), ou a pólvora, que modificou as estratégias de guerra. Sem saber, provocou uma revolução silenciosa.
Passados 739 anos da chegada de Marco Polo, à China, o Ocidente conhece uma nova Nação, diferente daquela que saiu da revolução camponesa de Mao Tse-tung, em 1949, ou a China dos protestos de 1989, quando cem mil estudantes e trabalhadores, inspirados pela glasnost (liberdade de expressão) soviética se concentraram na Praça da Paz Celestial reivindicando reformas políticas e econômicas. Hoje (terça-feira, 14 de setembro), em Dalian, cidade chinesa que sedia uma espécie de “versão de verão” do Fórum Econômico de Davos, o primeiro ministro chinês, Wen Jiabao, mandou um recado para os mercados em crise.
Com a autoridade de quem tem a chave do cofre onde estão reservas de US$ 3 trilhões – sendo US$ 1 trilhão em bônus do tesouro americano (o que seria suficiente para pagar a dívida externa de Portugal e Espanha), o premiê chinês deu um puxão de orelhas nos dirigentes europeus, dizendo que eles precisam gerar empregos, reduzir gastos, equilibrar os orçamentos e controlar a inflação na zona do Euro. Uma receita óbvia para quem está à beira da falência.
Wen Jiabao disse ainda que confia na recuperação dos Estados Unidos e que as reservas chinesas serão destinadas a manter os investimentos na Europa. Mas como quem tem o dinheiro na mão comanda o mercado internacional, já antecipou a fatura para os credores: quer seu país reconhecido como uma economia de mercado, o que derrubaria restrições comerciais.
A China é o país que mais cresce no mundo, com uma taxa média anual de impressionantes 8%, com pico de 9,5% em 2004. Ao mesmo tempo vive contrastes intensos: com baixos salários, carga de trabalho excessiva, aglomerados urbanos que cresceram sem planejamento, muita poluição, pouco cuidado com o meio ambiente, leis trabalhistas e previdenciárias duvidosas, além de inflação. Porém, tornou-se uma potência mundial, nos últimos 30 anos, consolidada entre o final do século passado e o inicio deste. Há quem aposte que até meados do século atual será a maior potência econômica mundial.
Com milionários emergentes e um grande contingente de seus mais de 1,3 bilhão de habitantes – quase um quarto da população mundial – oscilando entre o mundo tecnológico e em algumas regiões, um sistema agrário que lembra o feudalismo, possui empresas mundiais, todas controladas pelo governo. Mas também quer o reconhecimento como uma economia de mercado, decisão fundamental para que possa dar o passo que deseja, solidificando o sistema político vigente desde a revolução camponesa de Mao Tse-tung como um modelo econômico de sucesso. Seria a vitória absoluta do comunismo, que ruiu no Leste Europeu após a Perestroika (abertura econômica e política) de Gorbachev, sobre o capitalismo selvagem do mundo ocidental, abalado por sucessivas crises econômicas.
O tigre asiático tornou-se um dragão chinês, que cospe fogo e alça vôs muito mais altos do que se poderia imaginar.

Repercussões da crise americana

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o orçamento americano é baseado em premissas fantasiosas. Com um crescimento acelerado, em razão do que as empresas americanas faturavam no exterior, a partir da reconstrução da Europa e do Japão, e internamente, com a Guerra Fria, que estimulava a produção de artefatos bélicos – inclusive o desenvolvimento tecnológico. Nos bastidores da inteligência de espionagem, o governo elaborou uma estratégia de juros internos baixíssimos para subsidiar o consumo e remunerar investidores com papéis do tesouro. Esse é um resumo da economia yankee, que por quase 50 anos viveu muito bem, obrigado, sem que os Estados Unidos tivessem lastro financeiro para amparar ao valor que estava no papel.
Assim, um terço dos orçamentos americanos não passa de numerologia fictícia, ou seja, não há dinheiro suficiente para remunerar os investidores dos papéis do Tesouro Americano, muito menos pagar as dívidas, antes limitadas a 80% do orçamento e hoje, iguais a 100%. Em resumo, o Federal Reserve – o banco central americano, e o Tesouro Americano terão que despender um esforço muito maior para cumprir todos os compromissos de curto prazo. Em outras palavras, se fosse protestado, o governo teria que lançar mão de reservas estratégicas para saldar as suas dívidas.
Tudo o que ocorre hoje na economia americana é resultado da descoberta, há cerca de uma década, de que bancos, fundos de pensão e outras instituições concederam mais crédito do que poderiam aos cidadãos americanos, com o governo subsidiando a juros baixos a “aquisição” de dinheiro investido na compra de imóveis, carros, viagens, estudos dos filhos, planos de aposentadoria e outras coisas comuns na vida de cidadãos comuns. Há muito tempo os americanos vivem sustentados pelo governo, com juros baixíssimos.
É possível que este seja o sistema econômico “ideal” para a sociedade, mas com certeza, a longo prazo, é inviável para qualquer governo. Quando os mercados sofrem algum abalo e o consumo cai, vira uma bola de neve. Com menos consumo há menos emprego, com menos emprego cai a arrecadação de impostos e aumenta a despesa governamental com benefícios sociais e investimentos em educação e saúde, porque mais pessoas vão recorrer ao público, já que terão menos dinheiro para o setor privado. Desta forma há mais desemprego e atrasos sucessivos nos pagamentos de contas como as hipotecas e outros financiamentos. Aumentando o “calote” do consumidor, as instituições recorrem ao governo, que amplia os subsídios ou joga mais dinheiro no mercado para equilibrar as contas dos grandes conglomerados econômicos, em tentativa desesperada de manter a saúde financeira do sistema.
O grande problema dos Estados Unidos foi a manutenção de uma taxa de juros baixa ao consumidor. Com cerca de 317 milhões de consumidores vivendo com juros subsidiados, se torna necessária a emissão de papel em velocidade impressionante, o que por si só resulta em aumento da dívida pública – o maior fantasma enfrentado pelos EUA, mesmo com um PIB, em 2009, na ordem de US$ 14,1 trilhões. E aí surge uma nova bola de neve. A única saída é incentivar os negócios no exterior, com a descoberta de mercados, a produção em escala e o aumento das exportações. Mas os Estados Unidos, com o dólar valorizado, são os maiores importadores do mundo, com uma produção de alimentos cara e também subsidiada, além de reservas de mercado que dificultam as negociações.
Caminho viável foi criar o factoide da guerra contra o terrorismo – que diferentemente dos tempos de Guerra Fria, é uma ameaça muito mais presente e perigosa que os soviéticos e os países do bloco comunista. Fidel, até por seu estado de saúde, deixou de ser o principal adversário e no meio de toda a crise, Hugo Chavez ganhou a dimensão local que sempre deveria ter tido, porque não representa absolutamente nada no contexto internacional.
Hoje, a Europa está com os mercados estagnados e a grande ameaça à produção em escala, que fez a vantagem dos EUA nos mercados internacionais, vem da Ásia. Os chineses produzem muito a custos baixíssimos e exportam até para o Japão, outro campeão em produção. A Alemanha e demais países europeus do chamado “Primeiro Mundo” estão inchados com refugiados da África e do Oriente Médio e não há mais espaço e condições para abrigar a todos. O negócio é criar e explorar os novos mercados, e o mais próximo dos capitalistas é a América Latina, especialmente o Brasil.
Por seu tamanho, os Estados Unidos continuarão a crescer, mas o cidadão americano vai passar por apertos e os governos terão que cortar gastos. A dívida pública precisa ser reduzida, mas se os juros baixarem ainda mais corre o risco de haver fuga de capital, essencial para manter a produção e a arrecadação de impostos. Se aumentarem demais, o capital sai da produção e migra para a especulação.
É preciso cortar a própria carne, ou seja, seguir a cartilha que os próprios americanos ajudaram o FMI – Fundo Monetário Internacional, a escrever: reduzir o déficit público cortando gastos, incentivar a produção, manter a taxa de juros em patamares equilibrados, concentrar investimentos, aumentar a produção, gerar empregos e possivelmente, reduzir impostos a fim de estimular a produção.
Enquanto isso, outros mercados, como o brasileiro, vão demonstrando mais saúde financeira, porque no passado, alguém se lembrou de lastrear o caixa, construir orçamentos mais enxutos, reduzir o déficit público, privatizar empresas e setores estratégicos que sob o comando da máquina pública eram ineficientes, estimular a produção e aumentar a geração de emprego e renda.
Nesse contexto, o Brasil é o país mais bem preparado para enfrentar a crise, embora tenha outros adversos, como baixo nível de escolaridade, deficiências em infraestrutura – o que pode comprometer a produção, necessidade de capital externo, burocracia excessiva, alta carga tributária e encargos trabalhistas que oneram o setor privado, elevando o custo dos investimentos. Ainda assim, diante da crise internacional se mostra como um mercado em plena expansão e grandes possibilidades.
É possível dizer que o momento é vantajoso para o investidor que pretende aportar capital em terras brasilis. A globalização proporciona benefícios de uma economia “mundializada”, mas com uma ordem de valores diferente daquela conhecida por outros países. Ao contrário da pujança econômica americana e europeia da última metade do século passado, a cultura econômica brasileira foi baseada em recessão, além de sucessivos e fracassados planos econômicos, que pavimentaram, de forma inversa, um caminho de duro aprendizado e muito sofrimento.
Com economia estabilizada, o suposto atraso em relação aos países desenvolvidos torna o País extremamente atrativo, principalmente por conta da boa nota de risco para investimentos de curto e médio prazo e tendência de melhora na nota para investimentos de longo prazo, que é o que mais importa para o capital produtivo, muito embora, na América do Sul, o Brasil ainda esteja um degrau abaixo do Chile. Porém, com um mercado consumidor mais amplo, melhor posicionamento estratégico e o cumprimento de metas fiscais, a realidade brasileira acena como boa oportunidade para o capital produtivo.

Quem disse que é loucura?


Dizem que de médico e louco, todos temos um pouco. Sinceramente, não sei se Dalton Ghetti (49), brasileiro radicado nos Estados Unidos é louco, mas sua obra é simplesmente genial. Com algumas pequenas “ferramentas” incomuns – agulhas, faca de moldar, estilete etc, ele cria peças maravilhosas em grafite. Isso mesmo, na ponta de lápis – usados ou não. Marceneiro de profissão, Dalton ganhou espaço na internet e já foi tema de reportagem de revistas do exterior. Deixo vocês com algumas imagens de suas obras, que podem ser vistas em diversos sites, como o Bocaberta, o Sátiro ou o site do GNT, da Globo.com.

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Quem nunca jogou jamais entenderá

As 10 regras do Futebol de Rua

Saudosismo à parte, meu amigo Luiz Santoro mandou um e-mail que me fez voltar no tempo. Fui transportado a um passado de muitas alegrias, quando eu e a molecada da rua, em Corrêas, distrito de Petrópolis, lugar no qual fui criado aprontávamos, como a maioria das crianças da nossa época. Eram bons tempos e por isso vêm as melhores lembranças, especialmente das brincadeiras – invariavelmente a famosa “pelada”, mas também de algumas brigas em que eu e os moleques nos envolvíamos. Confusões entre nós mesmos era bem raro. O mais comum eram confrontos com grupos “rivais”: a turma da “rua de cima”, o pessoal da “Grota” (localidade próxima), ou da “estrada mineira”. No final era tudo acabava bem. Pelo menos, na maioria das vezes.

Não raro, algumas rivalidades só eram dissipadas quando nos víamos em situações nas quais uns precisavam ajudar aos outros. Havia solidariedade. Covardia, nem pensar! No futebol, entretanto, era como em clássicos, disputados nos grandes estádios: time “de lá” contra o “de cá”, time “de camisa” contra os “sem camisa” e por aí vai. Jogos disputadíssimos, às vezes até valendo lanche ou refrigerante. Ninguém queria perder.

Assim como acontecia no nosso bairro, na maioria dos lugares a coisa funcionava da seguinte forma:

1. A BOLA
A bola podia ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol servia. No desespero, usava-se qualquer coisa que rolava, como uma pedra, por exemplo, uma lata vazia ou a merendeira do irmão menor.
2. O GOL
O gol podia ser feito com o que estivesse à mão: tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, chinelos, os livros da escola ou até o irmão menor.
3. O CAMPO
O campo podia ser só até o fio (limite) da calçada, calçada e rua, rua e a calçada do outro lado e, nos grandes clássicos, o quarteirão inteiro. O piso, quase nunca era a grama verde tradicional que se conhece nos estádios tradicionais. Longe disso! Podia ser asfalto, cimento, paralelepípedo, ou, como quase sempre, terra batida, invariavelmente com muitas pedras, de tamanhos variados.
4. DURAÇÃO DO JOGO
O jogo normalmente virava em cinco e terminava em 10, mas podia durar até a mãe do dono da bola chamar ou escurecer. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a Polícia. Havia também outras formas de limitação: quado havia “times de fora”, ou seja, outros esperando para jogar, aquele que levasse dois ou três gols primeiro, deixava o campo.
5. FORMAÇÃO DOS TIMES
Variava de dois a 70 jogadores de cada lado. Os piores iam para o gol; os pernetas jogavam na ponta, esquerda ou a direita, dependendo da perna que faltasse. De óculos era meia-armador, para evitar os choques. Já os gordinhos ficavam de beque.
6. O JUIZ
Não tem juiz. Sem árbitro, mas com regras indubitáveis.
7. AS INTERRUPÇÕES
No futebol de rua, a partida só podia ser paralisada em três eventualidades:
a) Se a bola entrasse pela janela de uma casa vizinha. Nesse caso os jogadores deviam esperar 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isso não ocorresse, eram designados voluntários para bater na porta da casa e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação;
b) Quando passasse na rua qualquer garota gostosa, mulheres (principalmente as grávidas) ou pessoas idosas;
c) Quando passavam veículos pesados, de ônibus para cima. Bicicletas e Fusquinhas podiam ser chutados junto com a bola e, se entrasse, era gol.
8. AS SUBSTITUIÇÕES
Eram permitidas substituições nos casos de:
a) Um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer lição;
b) Jogador que arrancou o tampão do dedão do pé. Porém, nestes casos, o mesmo acabava voltando à partida, após utilizar aquela “água santa” da torneira do quintal de alguém;
c) Em caso de atropelamento.
9. AS PENALIDADES
As únicas faltas graves previstas nas regras do futebol de rua eram atirar o adversário dentro do bueiro ou chutar o outro pelas costas.
10. A JUSTIÇA ESPORTIVA
Os casos de litígio eram resolvidos na porrada, prevalecendo os mais fortes ou quem pegasse uma pedra antes.

QUEM NÃO JOGOU, PERDEU UM DOS MELHORES MOMENTOS DA VIDA.

Aliás, sobre arrancar o tampão do dedo, desconheço alguém que tenha sido melhor do que eu. Quando não o meu, o dos colegas. Depois disso passei a ser obrigado por minha mãe a jogar de Kichute, mas como a molecada da rua não deixava que ninguém jogasse calçado – obviamente porque todos estavam descalços, das duas uma: ou me adaptava às “regras” ou estaria excluído das peladas. Passei a tomar mais cuidados, mas isso não significa que evitei machucar os dedos dos pés, especialmente do pé esquerdo.

Grandes lembranças!

As pessoas que vêm e vão

Aprendi na vida que existem dois tipos de pessoas: aquelas que vivem a história e as que escrevem a história. Estou escrevendo isso porque há poucos dias perdi um amigo. Ou melhor, dois, um após o outro: Calau e Antônio Elias. Mas um deles foi especialmente marcante. Um amigo de mais de 20 anos. Amigo herdado de meu pai, que se transformou em grande companheiro de ações políticas e culturais, com quem convivi e aprendi sobre muitas coisas. Advogado por formação, Carlos Alberto Lopes, o Calau, era mais que isso. Ativista político e cultural, estava sempre disposto a encarar um novo desafio. E assim o fez a vida inteira, oscilando entre vitórias e derrotas, como é comum, mas sempre mantendo os olhos no futuro e os pés fincados na verdade.
Durante dois ou três anos, lá pelo início dos anos 1990, “batíamos o ponto” todos os dias, às oito da manhã, na padaria La Fornarina, em Petrópolis, na esquina das ruas Irmãos D’Ângelo com 16 de Março. Discutíamos, e muito. Divergíamos, e muito. Confabulávamos, e muito. E sempre prevaleceu o respeito e o desejo de fazer uma Petrópolis melhor. Do grupo participavam ainda, assiduamente ou não, gente como Arthur Varella – um de seus maiores amigos, Claudio Renault, Jorginho, Wolney, Luiz Antônio, Antônio Cláudio, Carlos Alberto Vieira Mendes – Mundial, Fernando Mussel, Jota Rodrigues, Marcos Novaes, Neném Rossi (pai do atual presidente da Câmara de Petrópolis, Bernardo Rossi), Zé Roberto, Callé, Barcellos, Procópio, Sebastião Abreu (eterno mestre), Sebastião Ferreira, Dênio Nogueira, Breno Camargo, Enivaldo Gonçalves (na época presidente do Sindicato dos Servidores), Antônio Elias (ex-vereador, que morreu um dia após Calau), Edyr Raposo, Paulo Pires, Jorge Barenco, Raul Lopes (pai de Calau) José Luiz Lima, Philippe Guedon, Marambaia, Ângela e muitos outros. São tantos que devo ter equecido de alguns.
Minha história com Calau começou antes desse tempo, quando eu ainda era um menino, estudante do Colégio Werneck, iniciante na atividade político-estudantil. Naquela época nos preparávamos para reabrir a APE – Associação Petropolitana dos Estudantes, fechada após ser afundada em dívidas com o condomínio onde ficava a sede. Foi ele, ex-dirigente da APE, quem pagou parte dos atrasados. Junto com outros companheiros, como Marcos Novaes, Duda Dunley, Fernando Portella, Márcia de Paula, Celinho Thomaz, Marcos Medeiros, dentre outros, que agora não recordo os nomes, formamos uma chapa e demos início à retomada do movimento estuantil em Petrópolis, mas isso jamais ficará registrado, a não ser aqui, porque um ex-presidente tratou em dar sumiço no livro de atas, onde constavam nomes importantes da história petropolitana.
Segui na vida e reencontrei Calau anos mais tarde, fazendo não-sei-o-quê. Dali em diante sempre estivemos próximos, de uma forma ou de outra, sempre discutindo e confrontando política, ora do mesmo lado, ora em lados opostos, mas sempre, sempre, com o mesmo respeito, carinho e amizade. Dentre suas façanhas, lembro do Festival Teatro D’Outras Terras, um dos mais fantásticos festivais de teatro de rua que já vi, com participações de excelentes grupos teatrais do Brasil inteiro.
Em seu velório e enterro reencontrei muitos destes que citei e mais alguns. Todos com os olhos marejados pela perda. A última vez que tinha estado com ele foi no velório de meu pai, que em 30 de agosto completará cinco anos. De lá para cá, não havíamos nos visto, nem nos falado. Tinha notícias pelos amigos. Boas notícias, como sua empolgação com a candidatura a deputado estadual nas próximas eleições. Ali reencontrei Tê Barbosa, que me presentou com o texto que transcrevo abaixo, publicado quando meu pai morreu. Impossível não lembrar de Calau, que quando foi presidente da Fundação Petrópolis de Cultura, apoiou a publicação do livro citado no texto de Tê.
Calau se foi, mas escreveu uma bela história!

“Mano Véio (in memoriam)

“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.”

Conheci o jornalista, escritor e poeta Mano Diniz – Luiz Carlos Sepulveda Diniz. Ele chegou em minha vida através de seu filho Vito – um dos meus amigos mais diletos e Edyr Raposo, contador de causus, decano das minhas amizades mais queridas. Dois jornalistas seguindo a vida renhida.

Mano, marca registrada da imprensa petropolitana, que trazia no corpo a envergadura do tempo de quem não apenas passou pela vida, mas rasgou caminhos, desbravou, aventurou, polemizou, endoidou, retomou a estrada, varou madrugadas, entre o certo e o torto, implicou com o dia e mesmo assim continuou caminhando pelas ruas – às vezes o encontrava andando a passos lentos, displicentes como quem não tem pressa de chegar ou como quem já conhece de cor o destino dos ventos.

Mano, com seu jeito manso parecia, vez ou outra, um santo. Engano. Sob o boné que trazia sobre seus cabelos brancos, pressentia o disfarçar de vulcões ora aquietados pelo cansaço de tantas histórias vividas ora como fogo em brasa, a chispar faíscas, a cuspir deboches; ao empunhar a pena era capaz de derrubar os famosos ora rindo a valer dos críticos, os atos. “Coitados, fui como árvores, não conseguiram me cortar”, dizia ele.

Entretanto, confesso, não o imaginava poeta. Só o fiquei sabendo quando do lançamento de seus “Momentos” (Editora Poésis – Literatura, Pensamento & Arte), em noite já bem antiga em que – mesmo que a chuva tentasse atrapalhar – amigos novos e velhos se reuniram para prestigiar o Mano Véio.

Gostava dele. Desse Mano de fios grisalhos, de olhos claros, corpo magro, ligeiramente adunco, forte como junco que o tempo enverga, mas não quebra. Gostava desse Mano que descobri poeta, fazendo poesia atendendo às queixas dos homens perdidos. Desse Mano que chorava pelas lutas inglórias, pelas dores sofridas dos tempos passados; que não procurava vitórias, nem sucessos, pois entendia que os dois são apenas iguais.

Gostava desse Mano que procurava a paz, um lugar pra descansar, olhando uma flor, os pingos do orvalho e que conhecia de frente pra trás a imensidão da crueldade dos homens. Vencer, na poesia de Mano, “é apenas uma palavra, que falada o tempo leva enquanto o amor e a bondade se perpetuam”. Mano Diniz era como vinho rascante – no primeiro gole travava a garganta, deixando na face um esgar arrepiante, mas que depois deslizava plácido na boca que ainda estampava um ingênuo sorriso de criança.”