Um antiácido e um Melhoral

756246_first_day.jpgAcabo de saber, por amigos, que um dos nossos companheiros de infância está desfazendo seu quarto casamento. Não um casamento em si, daqueles com igreja, padre, ou cartório e um juiz, mas uma relação de um ano e alguns meses. Segundo ele, dedicou-se como nunca a ex-companheira, que com total desfaçatez disse-lhe, simplesmente, que havia “descurtido”. Se não foi isso, foi algo parecido.

Batendo à porta dos 40, Ricardo (nome fictício) jura que não arrumará mais ninguém nessa vida. Anda pensando, contundo em procurar a primeira mulher, que segundo ele, foi injustiçada na relação. Mas não descarta a possibilidade de tentar uma reconciliação com a segunda, com quem viveu mais tempo, criou filhos e a única que teve a coragem de levá-lo ao altar.

Liguei para meu amigo no intuito de confortá-lo, afinal de contas, quem nunca foi abandonado? Eu já fui, a maioria dos brasileiros já foi, a maioria da população mundial, também já foi abandonada, trocada, substituída como uma simples peça de reposição. Há quem trate os relacionamentos humanos e esses, mais especificamente, como um jogo de cartas. Uma hora vem uma mão boa, em outra você descarta algo em busca de um Ás.

O problema de levar a vida assim é que nem sempre o tal do Ás aparece. Às vezes não é essa a carta que você precisava para o jogo perfeito, mas sim aquela outra menos cobiçada, que na rodada anterior mereceu sua atenção. Entretanto, naquele momento, valendo-se da sua superioridade você crê que está na hora de partir para o Ás. Há um risco, porque essa, ao mesmo tempo em que pode ser a carta mais valiosa, também pode valer, simplesmente, nada. E isso acarreta dor.

Vendo o mundo por essa ótica, meu amigo não se considera um Ás. Acha que é, no máximo, um sete de Ouros, carta mítica. Mas tem preferência pelo 9, sempre com influência em sua vida. Fazendo as contas, chegou à conclusão que o relacionamento durou 19 meses. Usando a numerologia, somou um mais nove e chegou a dez, que nos meses do ano é representado por outubro, na opinião dele, mês de grandes mudanças em sua vida, algumas dolorosas.

Ricardo não é supersticioso, mas tem umas esquisitices com essa coisa de tempo, datas e vezes em que as coisas se repetem. Para ele, o bom é sair com a mulher uma única vez depois de um tempo de flerte. A segunda saída seria encarada como algo memorável. A terceira, situação raríssima em suas anotações pontuais, sela um relacionamento e nisso ele não é tão bom, reconhece.

Quanto ao tempo de relacionamento, afirma: “namoro meu não dura mais que de quatro a seis meses. Claro, aconteceram namoros de uma semana. O que passou dos seis meses virou casamento. E em nenhum deles me dei muito bem”. Ao mesmo tempo em que sofre uma perda, não reclama da partida dessa última, mas a forma como tudo aconteceu: “foi um relâmpago. Coisa estranha para quem fazia tantas juras, planos, projetos e para quem idealizava, ou dizia idealizar uma vida conjunta por um tempo bem mais longo”.

Devo dizer, em defesa do meu amigo, que ele é o tipo de pessoa que pratica a autocrítica como poucos. E assim, passou 48 horas buscando em si a razão do acontecido. Acredito em sua imparcialidade ao julgar e avaliar os próprios atos e por isso creio que ao me dizer que não encontrou a razão nele, está sendo justo, muito embora admita erros no decorrer do período.

Diz ele: “me joguei de cabeça e acreditei nisso como nunca na minha vida. Desmereci minha inteligência e o poder discricionário que sempre tive em relação a tudo. Não ouvi os avisos do instinto que me diziam para ser, esta, apenas mais uma brincadeirinha. Apesar de conhecer a folha corrida da Criatura há muito tempo, não fui inteligente o suficiente para ver que de onde não se espera nada, é de onde não vem nada mesmo, a não ser aborrecimento”.

Maltratado, seu coração, que é enorme, ficou miúdo. Perdeu-se em 48 horas de uma dor impossível de ser relatada. Noites mal dormidas, coisas mal pensadas, sonhos desfeitos. Tudo acabou de uma hora para outra. E a explicação, perguntei a ele. Não houve, respondeu. “Apenas uma conversa para dizer que era assim mesmo”, resumiu. Enfim, quis saber: E a dor, como ficou essa dor depois das 48 horas? “Resolvi de forma simples: não custou mais que um antiácido e um Melhoral”.

Melhor para ele.

Redescobrindo o Brasil

image001.jpgNão será apenas uma aventura. Marcos Maritinelli e Marcelo Antunes partem neste dia 17, do Beco do Alemão, na Av. das Américas, 1.600, Barra da Tijuca, para uma experiência inigualável: percorrerão a Transamazônica com o projeto “Famílias da Transmazônica”. A jornada visa descobrir e revelar um Brasil escondido nos confins do Brasil Amazônico, contando a história das famílias que foram para o local há 38 anos, quando o governo militar do general Emílio Garrastazu Médici resolveu construir uma rodovia transcontinental a partir da Região Norte.

A expedição sobre quatro rodas será inigualável e pretender fotografar, filmar e descortinar a vida daqueles que vivem à margem ou em função da estrada. A partir do dia 24, o site da dupla, no endereço www.brasilsocial.com deverá conter as primeiras impressões da viagem. Com certeza não faltarão belas imagens, relatos emocionados e a realidade latente desse País dividido não apenas por regiões políticas, mas também por costumes, conceitos e classes sociais que formam uma fabulosa, mas paradoxal diversidade cultural.

Conheça um pouco mais a respeito de Marcos Martinelli, Marcelo Antunes e da Brasil Social, que realiza um trabalho interessantíssimo, levando cinema à populações da área rural , no site da turma: www.brasilsocial.com. Nosso Blog, mesmo distante, estará, na medida do possível, participando da jornada.

Boa viagem!

A TRANSAMAZÔNICA

A Rodovia Transamazônica (BR-230), projetada pelo general Emílio Garrastazu Médici (presidente entre 1969 e 1974) é considerada uma das “obras faraônicas” do regime militar devido às suas proporções gigantescas. Estima-se que mesmo não sendo concluída consumiu U$ 1,5 bilhão dos cofres públicos. Além disso, coleciona um misto de histórias pioneiras, abandono, erros, dificuldades, tristezas e muito pouca integração. É a terceira maior rodovia do Brasil, com 2.300 quilômetros de extensão, cortando o Pará e o Amazonas. Nasce na cidade de Cabedelo na Paraiba, e é classificada como uma rodovia transversal. Em grande parte, não é pavimentada.

Planejada para integrar o Norte brasileiro com o restante do País, foi inaugurada em 30 de agosto de 1972. Projetada para ser uma rodovia com oito mil quilômetros pavimentados, conectando as regiões Norte e Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador, não sofreu maiores modificações desde sua inauguração.

Por não ser pavimentada, o trânsito na Transamazônica é impraticável nas épocas de chuva (na Região, entre outubro e março). O desmatamento em áreas próximas é um dos graves problemas gerados a partir de sua construção, mas ao mesmo tempo a parte que restou é o sonho de muitos jipeiros, pois sua precariedade instiga a travessia em veículos off-road.

A BR-230 também corta o estado do Maranhão entre as cidades de Carolina a Barão de Grajaú, passando por Riachão, Balsas, São Raimundo das Mangabeiras, São Domingos do Azeitão, Pastos Bons, São João dos Patos, bem como o Estado do Piauí, passando por Floriano, Nazaré do Piauí e Oeiras, indo até a BR-316. Na localidade Gaturiano-PI, segue-se pela BR-316 até a entrada de Fronteira-PI, que passa a ser a continuação da BR-230 até a cidade de Campo Sales-CE.

Veja o mapa da rodovia em www.glosk.com.

(Fontes: Wikipédia, Tiago Dantas e Equipe Brasil Escola e Guia Rodoviário/2001; Foto: Brasil Social)

Bom gosto

andre-henriques.jpgTem gente que veio ao mundo para fazer o bem e coisas boas. Um deste exemplos é o músico André Henriquez, que persiste em um trabalho de qualidade, sem dar ouvidos para os apelos comerciais que enchem o mercado fonográfico de coisas inaudíveis. Estudioso de música, pesquisador de estilos, cientista das notas, é um exemplo de bom gosto. Sua obra relaxa e inspira.

Um pouco sobre André Henriquez está em sua página no MySpace, onde é possível ouvir trechos e músicas inteiras de sua lavra. A página do músico está aqui http://myspace.com/andrehenriquez e um pouco de sua vida, logo abaixo. Boa audição!

André Henriquez possui uma formação fundamentalmente erudita. Estudou violino com Paulo Bosísio, Ludmila Vinecka (República Tcheca) e Paul Herrera (Venezuela). Participou de várias orquestras, entre elas a Orquestra dos Canarinhos de Petrópolis, Camerata Abrarte e Orquestra de Câmara da Uni-Rio. Como autodidata dedicou-se também a outros instrumentos: violão, bandolim, teclado, entre outros.

Embora tenha transitado por vários estilos ao longo de sua carreira, que vão do choro ao rock progressivo, seu trabalho solo está mais relacionado ao new age. Entretanto suas músicas não deixam de fazer referência a outros estilos como a música eletrônica do Tangerin Dream e o psicodelismo de grupos como o Pink Floyd. Tudo isso recheado com muita improvisação, outra referência do músico, que também já flertou com o jazz.

O músico participou do cd “Ao Vivo no Rio Jazz Club” com a banda Lummen, lançado em 99 pela Som Interior. Recentemente lançou seu primeiro trabalho solo “Caminho da Seda”, álbum totalmente autoral, onde todos os instrumentos são interpretados por ele.

Cinco perguntas para…

Resolvi inaugurar uma sessão no Blog. Vou tentar postar pelo menos uma pequena entrevista por semana com gente que acho interessante. Poderei atender pedidos dos leitores, por enquanto os poucos. Alguns se manifestaram e sei que em menos de um mês no ar e com pouquíssima divulgação – por enquanto – tem sido lido por amigos e alguns internautas à procura de algo novo na Rede. O objetivo do Blog não é ser melhor, nem pior que outros, apenas diferente. O Blog não passa de uma experiência, assim como esta nova parte. A intenção com ele é criar, quem sabe, um espaço para discussões e para temas menos votados no cenário virtual.

Em consideração ao primeiro colaborador do Blog, Juca Bala, meu amigo de infância, e em respeito à sua lucidez e em alguns momentos, clarividência política, inaugurarei a sessão com o próprio. Não creio que seja cabotinagem entrevistar um amigo de infância. Por isso mandei-o um e-mail com as tais cinco perguntas.

Blog: Juca, você participou de alguns movimentos políticos e sociais quando era jovem. Esteve envolvido no processo de reabertura de uma associação de estudantes e depois foi um dos milhares de caras-pintadas que foram às ruas para depor o Collor. Como você vê a juventude de hoje em relação à política?

Juca: Em alguns momentos vejo com esperança, em outros, com total descrença. Quando éramos jovens e participávamos desses movimentos que você falou nós acreditávamos no Brasil e na possibilidade de deixarmos de ser um país do futuro para sermos um país do presente. Hoje, não vejo essa motivação na garotada. Por outro lado, é inegável, há mais jovens nas escolas, mais jovens chegando às universidades e no futuro – sempre ele – será possível termos uma população mais esclarecida. Quando passarmos a esse estágio estaremos iniciando uma revolução silenciosa. O problema é que os donos do poder, os detentores do capital não querem largar o osso. A classe operária quando ascende ao poder faz o mesmo que faziam as elites quando estavam lá. É isso que estamos vendo. Embora tenha o pé no chão em relação à política uma onda utópica ainda me atinge.

Blog: No passado brigamos muito porque embora caminhássemos lado-a-lado, também tinhamos posicionamentos diferentes em relação a uma série de coisas. Você sempre falou da classe operária no centro do Poder. Isso não é paradoxal, sendo você filho de um latifundiário?

Juca: Você sempre me “acusou” de ser filho de latifundiário. Dizia que eu era a “esquerda com copo de uísque na mão” mas sabe que na prática eu sempre defendi a desconcentração de renda e a divisão do capital. Eu fiz isso na propriedade que herdei do meu pai. Fiz quando fiquei sem recursos para pagar o meu pessoal, mas sabia que mais cedo ou mais tarde precisaria fazer isso sob pena de ver gente boa indo embora em busca de emprego na cidade grande. Aquilo era um martírio pra mim. Eu não podia deixar que eles partissem e fossem morar nas favelas de um grande centro urbano. Aquilo me doía. Um dia sentei com meus irmãos, minha mãe, minha mulher e expliquei a situação: estávamos falidos e só havia um jeito de mudarmos o rumo que a coisa havia tomado. Tinhamos que chamar o pessoal, negociar, dividir as terras, montar uma cooperativa, repartir os lucros e partir para uma iniciativa ousada que pudesse ser algo diferente naquela situação complicada que estávamos vivendo. Estudei muito como e quando fazer isso. Está dando certo há cinco anos.

Blog: Como está funcionando a história do Kibutz?

Juca: Não é bem um Kibutz. Escrevi isso no outro e-mail lembrando de uma conversa que tivemos com seu pai uma vez e ele falava, com os olhos brilhando, daquela iniciativa. Quando as coisas complicaram aqui, fiquei sem dinheiro para pagar os trabalhadores. Só poderia conseguir dinheiro de duas formas: ou vendia as terras, ou me endividava ainda mais com os bancos. As duas coisas estavam fora de cogitação. Isso aqui é o meu sustento e da minha família. Resolvi cursar Agronomia pra tocar o que meu pai deixou. Não podia entregar de mão beijada. Então, chamei os trabalhadores, reuni a família e expliquei a situação. Fiz uma proposta, que era dividir as terras como parte do pagamento do que devia a eles. Depois formaríamos uma cooperativa e assim passaríamos a administrar tudo em conjunto. Resolvemos melhorar as casas em forma de mutirão e hoje melhoramos a vida de todo mundo. São 150 pessoas vivendo diretamente do que temos aqui. Plantamos, colhemos, vendemos e compramos tudo juntos. Os ganho são por produtividade. Todos têm plano de saúde, moradia digna, um carro – alguns possuem moto – os filhos vão para a escola e já tem três ou quatro cursando faculdade e outros o médio técnico. Ninguém quer sair daqui. Já veio televisão querendo fazer reportagem a respeito, mas você sabe o medo que tenho dessas coisas.

Blog: Fale um pouco da política aí pelo Centro-Oeste.

Juca: Confesso que a política do Centro-Oeste eu não acompanho como deveria. Mas a política local, esta sim. E o que acontece por aqui não é muito diferente do que vejo na televisão e isso me dá uma tristeza muito grande. Já falei um pouco da política aqui no post que você colocou no Blog relatando nossa conversa. É uma coisa suja.

Blog: Não vai entrar de cabeça nessa política?

Juca: Há momentos que penso que deveria, que estou deixando as coisas passarem em branco, mas sou um pouco parecido com você nesse aspecto. Quando participávamos do movimento estudantil ficávamos ali pelo meio campo, fazendo os lançamentos. Continuo assim. Eu grito, protesto, agito, vou na Câmara de Vereadores, reclamo, junto o pessoal, mobilizo, mas ser candidato não é do meu feitio. Na verdade eu acho que os governos não deveriam nem existir. Quem sabe a utopia anarquista possa prevalecer um dia. Aqui no sítio está dando certo.

Juca Bala

Meu amigo Juca Bala animou-se com a possibilidade de colaborar aqui com o Blog, essa tentativa de oferecer algo interessante para se ler. Como está muito no início, ele crê que aos poucos pode retomar a verve dos tempos de militância política estudantil. Não pretende, porém, revelar sua identidade, mantendo apenas o apelido que adquiriu quando era um jovem “incendiário”.

Somos amigos desde criança, quando nos conhecemos nas peladas de rua. Morávamos perto, mas estudávamos em colégios diferentes e agitamos os centros cívicos da então pacata Petrópolis. O objetivo era reabrirmos a Associação Petropolitana de Estudantes com o apoio de alguns alunos universitários e professores que foram fundadores ou diretores da instituição, falida durante o regime militar. Obtivemos sucesso na reabertura, mas não na gestão, entregue a alguém nada afinado aos nossos interesses coletivos. Um erro de avaliação nossa, devo confessar, mas a vida é assim mesmo. Nos afastamos da Associação e pouco depois ela foi fechada novamente, afundada em dívidas com o condomínio do prédio em que a sede própria estava instalada. Foi reaberta anos mais tarde e hoje não sei como se encontra.

Pouco depois ingressamos no mesmo partido político, escrevemos os primeiros números do jornalzinho da CUT – Central Única dos Trabalhadores – e seguimos lado-a-lado até o primeiro período do curso de Direito, da Universidade Católica de Petrópolis. Também participamos de movimentos sociais e durante muito tempo acreditamos na esquerda brasileira. Embora Juca não acredite mais nos políticos, tem a respeito de Roberto Freire, Fernando Gabeira, Jefferson Perez e Pedro Simon a idéia de que são raros exemplos a serem seguidos.

É um anarquista convicto, mas não pensem que por isso gosta de bagunça. Defende a idéia de que governos e políticos são dispensáveis e que o cidadão tem que ser capaz de gerir a coisa pública como se fosse o membro de uma associação organizada. Nunca gostou de chefes e cabrestos e por isso afirma que não seria um bom oficial do Exército, como sonhava seu pai. Também não deu certo como funcionário concursado do Banco do Brasil. Resolveu cursar Agronomia.

Hoje, vivendo como produtor rural do interior de Goiás, Juca Bala é uma das raras espécimes que mantém suas convicções cada vez mais vivas. Assim como eu, não está mais naquele partido no qual ingressamos. Desacreditou nessa forma de atuação política, mas é um ativo integrante de sua comunidade, contestando, quase sempre, aquilo que é determinado pelo grupo que manipula o poder local. Esse grupo colocou no controle um prefeito titubeante, de personalidade fraca e que deixa a corrupção correr solta.

Ao longo desses quase 30 anos de amizade sólida, construída em um tempo em que tínhamos uma idéia muito remota do que poderia ser um computador – e para nós isso era coisa de ficção científica – quando a gente comia frutas roubadas nas árvores da vizinhança, jogava bola na rua, construía casas nas árvores e andava de bicicleta sem nos preocuparmos com o futuro, sempre estivemos monitorando um ao outro, apesar da distância.

Depois que deixou de ser aluno semi-interno do Colégio São José, em Petrópolis, ainda nos encontramos em algumas aventuras, como uma escapada até a Bolívia, tendo como meio de transporte o Trem da Morte, que ia – ou vai – de Corumbá até La Paz. Nessa época, ele havia retornado para o Centro-Oeste, onde seu pai tinha uma propriedade cuja extensão se perdia no horizonte. Voltou à Petrópolis pouco depois para cursar Direito na UCP, mas desistiu ao final do primeiro período, após, claro, agitarmos as eleições do Diretório Acadêmico Ruy Barbosa, que me rendeu um pouco de fama e uma até então inédita vaga no time de futebol de salão (hoje futsal). Era reserva, mas jamais um aluno de primeiro período participara do time que disputava as olimpíadas internas da universidade.

Abaixo reproduzo seu e-mail, produto de uma das nossas muitas conversas por esse meio maravilhoso de comunicação que é a internet:

“Rapaz, demorou, mas até que enfim tu se manifestou.

Já era tempo de fazeres alguma coisa produtiva – ou não – nessa tal de internet. Por aqui me ocupo mais com a leitura diária dos jornais e dos e-mails e acompanho as cotações dos grãos preocupado com o que estamos plantando no sítio. Meus filhos é que mais acessam essa coisa. Vivem conversando com os amigos, coisa que até nós fazemos eventualmente.

Gostei de ver o que tens escrito. Ainda manténs aquele sonho juvenil e o espírito puro. Isso é bom para um sujeito há tanto tempo envolvido com política. No entanto, acho que poderias dar umas cacetadas nessa turma que anda judiando muito de todos nós. Não sei ao certo como estás por aí, mas se não puderes e aproveitando o convite que me fizestes, cumpro essa função com muito gosto.

Andei pensando em escrever sobre os corruptos daqui. Apesar da distância, a internet nos aproxima e acho que os exemplos podem ser aplicados em qualquer lugar. Não sei se te contei, mas o prefeito daqui é um sujo, um larápio que está ficando rico às custas do sofrimento do povo. Veja só você: recentemente ele inaugurou umas casas populares a fim de trocar a moradia por voto. Para garantir, trouxe gente de outras cidades e colocou nessas casas, transferindo, claro, o título eleitoral.

O clima político daqui é muito acirrado. São dois grupos, basicamente, disputando o Poder. É a velha história: quem está dentro não sai, quem está fora quer entrar. Me parece até aquele baião do Luiz Gonzaga. Só que ao contrário da música, que dizia “olha que isso aqui tá muito bom”, a coisa não anda nada boa por essas paragens. Andei agitando a moçada contra o Ali Babá e seus 40 ladrões, mas não deu muito resultado. Sou uma voz quase isolada nesse universo de pilantragem, onde os homens usam a força e o dinheiro para controlar veículos de comunicação e mover céus e terras contra aqueles que trabalham em defesa do que é correto.

Não sei como é aí na cidade que estás morando, mas aqui se utilizam até de ataques contra o prefeito de uma pequena cidade vizinha para desviar a atenção do Judiciário local. Como o sujeito dessa cidadezinha – que está se tornando próspera – vem despontando como uma liderança regional, como ele conduz a prefeitura sem interesses financeiros e mesquinhos, como está mudando os conceitos de administração e modernizando a máquina pública e vem conseguindo aumentar a receita para beneficiar a população local, escalaram um assessor do prefeito para sentar o porrete no sujeito, ou seja, no prefeito da cidade vizinha, fazendo das tripas coração para criar dificuldades contra ele, que inclusive é aliado do grupo político que faz oposição ao “chefe” do Executivo na minha cidade.

Parece obra de ficção, mas juro a você que é verdade. Te digo, inclusive, meu amigo, que os dois grupos políticos, o de situação e o de oposição, são muito ruins. É verdade que os oposicionistas de hoje já foram Poder um dia e de certa forma deram cara nova à cidade. Mas depois descambaram para uma política clientelista e autofágica. Em algum momento mudaram o rumo e todos eles, que faziam parte do mesmo barco, passaram a brigar entre si, criando um clima de guerra, péssimo para a condução da coisa pública.

Bem, em outro e-mail te mando mais notícias. Agora preciso sair para o campo e acompanhar o trabalho por lá. Lembra aquele sonho dos Kibutz, que teu pai um dia explicou pra gente? Pois tentamos uma experiência semelhante por aqui e há cinco anos vem dando resultado. Foi uma época em que a safra foi aquém do esperado e eu fiquei sem capital para cumprir os compromissos. Chamei o pessoal que trabalha comigo – muitos deles haviam trabalhado com meu pai – expliquei a situação e nos unimos em busca de uma solução. Saímos da monocultura e partimos para uma experiência diferente. Todos, hoje, têm carro – alguns também têm motocicleta – boas moradias, plano de saúde, um pedaço de terra e uma reserva no banco.

Falta você por aqui, meu irmão, para ajudar a gerenciar isso que está se transformando numa pequena agroindústria, mas sei dos teus compromissos aí, além da dificuldade de mudar uma vida inteira. Quem sabe um dia! Aqui poderíamos criar aquele jornalzinho com o qual sonhávamos quando nos metemos a colaborar com o pessoal da CUT, que aliás, por aqui é muito legal. O MST é que andou ensaiando uma invasão, mas foram chamados pelos meus sócios que explicaram a eles que não existe latifúndio improdutivo por essas terras e tudo ficou em paz.

Encerro por aqui, mas em breve mando mais alguma coisa para o teu Blog. Será que poderia chamá-lo de nosso Blog? Gostei dessa possibilidade de retomar algo há muito tempo deixado para trás.

Um grande abraço, Juca.

PS: Juca, o Blog é nosso e de todos aqueles que tiverem boas intenções e se interessarem.

Escadas

875053_stairs.jpgAlguém um dia parou para pensar na importância da escada para o cinema? A quantidade de cenas passadas em escadas é impressionante. Filmes de aventura, romance, ação, terror, não importa o gênero. Creio que são quase tão importantes quanto as pontes e outros elementos e adornos arquitetônicos que ninguém ou quase ninguém destacou.

Três filmes demonstram a importância das escadas. Engraçado que em dois deles, a atriz é a mesma: “E o vento levou”, no qual Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) caiu da escada e onde se despediu de Rhett Butler (Clark Gable);”Melhor é impossível”, com Jack Nicholson e Helen Hunt e “Do que as mulheres gostam”, com a própria Hunt e Mel Gibson. Nos dois últimos filmes a atriz toma conta das cenas finais na escada. No primeiro admite o namoro com o escritor Melvin Udall (Nicholson) e no segundo retoma o romance com Nick Marshall (Gibson).

As escadas estão presentes em centenas de filmes, nacionais e estrangeiros. Ali, estáticas, não representam quase nada, mas sem elas, seria impossível dar a dramaticidade de determinadas cenas, como em “Cidadão Kane”. Em “Sobre meninos e lobos”, de Clint Eastwood, elas não têm o destaque das pontes em “As pontes de Madson”, do mesmo diretor e ator, mas são parte importante do cenário externo que mostra sobrados da periferia de uma cidade americana.

Sem a escada da sala principal, como os espectadores captariam a opulência da mansão que serviu como cenário de “Alta sociedade” (High society), clássico americano dos anos 50? Estrelado por um trio de peso – Grace Kelly, Frank Sinatra e Big Crosby – o filme é um remake da peça americana núpcias de um escândalo (The Philadelphia story) e retrata as vésperas do segundo casamento da socialite Tracy Lord (Kelly), desta vez com George (John Lund), um homem de negócios.

Nesse universo do cinema as escadas estão presentes também nos filmes de ação e aventura. A trilogia “Indiana Jones”, além de muitos caminhos possui várias escadas, como aquela subterrânea, encontrada em uma biblioteca de Veneza. Em “O dia do chacal”, de 1973, elas estão lá, assim como são determinantes “Operação França II”, de 1975, na seqüência que leva ao incêndio do esconderijo do traficante Alain Charnier (Fernando Rey), protagonizada por Gene Hackman na pele do detetive novaiorquino Popeye Doyle, papel que lhe rendeu o Oscar de melhor ator.

Assim como no cinema, a vida depende de escadas, que podem ser reais ou imaginárias. Elas estão presentes em todos os cantos e situações. Na política, na sociedade, nos esportes. As escadas podem ser comparadas aos coadjuvantes – da vida e do cinema – e às vezes elas – ou aqueles que servem de – se tornam maiores que os protagonistas da história. Metaforicamente, escadas são o representativo de uma ascensão. Na vida, o ruim é quando você está a caminho ou no topo dela e um gaiato aparece do nada e a tira de lá. Pronto, tombo na certa. O melhor a fazer nesses casos e avaliar os prós e contras, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

Dúvidas

929442_couple_wedding.jpgSeria ótimo se a vida pudesse ser como um filme de romance com final feliz. Uns problemas aqui, outros ali, mas no final, mocinho e mocinha ficam juntos para sempre. Seria mais fácil se a vida não fosse tão complicada ou se resolvêssemos não complicá-la ainda mais. Tomar decisões no mundo real parece ser diferente. Enquanto no cinema o roteirista se esforça para criar uma trama convincente, a vida parece resultado de outras muito pouco verossímeis.

A vida imita a arte, ou vice-versa, mas as cenas que passam no cotidiano da maioria das pessoas nem sempre caminham para o gran finale com o beijo que sela definitivamente o romance. Choros e lágrimas nem sempre unem casais apaixonados, que no calor da discussão não reproduzem as falas corretas. Fica pelo meio do caminho o desejo de dizer aquilo que seria fundamental na reconciliação.

Amores podem ou não ser eternos, como quase tudo. Ou melhor, quase nada é eterno. Sempre e nunca são dois advérbios que jamais deveriam ser utilizados quando o negócio é o amor. A promessa de “para todo o sempre”, está cada vez mais difícil de ser mantida por homens e mulheres, que nos momentos de maior “calor”, olham uns nos olhos dos outros e prometem jamais se afastar.

Em geral existem dúvidas se aquela é ou não a pessoa certa; mas como saber quando se inicia um relacionamento “o que é” ou “quem é o certo” para compartilhar frustrações, angústias, sonhos, alegrias e vitórias? Não há fórmula para isso. O que move os sentimentos é o instinto e ele vai dando as diretrizes do relacionamento. Esse mesmo instinto, em muitos momentos, indica a necessidade do afastamento, que eventualmente pode ou não ocorrer. E tudo, no final, pode ou não dar certo.

São tantas dúvidas que rodeiam os relacionamentos humanos que tem gente que pensa que o certo é o errado e o errado é o certo. Mas são as circunstâncias que indicam a razão do momento. O que está bom hoje pode não estar amanhã. Talvez esse seja o livre arbítrio de que tanto se fala: a possibilidade de escolha entre uma ou outra coisa, mas a grande verdade é que tudo na vida não passa de uma prova de múltipla escolha.

Seguir o coração tem sido o mais recomendado pelos especialistas no amor. Dizem eles que o coração fala por cada um. E que os olhos do parceiro ou parceira falam. E o coração é guiado pelos instintos, por aquilo que cada um entende em determinada situação. Coração e razão agem de forma diferente e separar um do outro é um exercício eventualmente torturante. No mundo de hoje as convicções são tantas e ao mesmo tempo tão poucas, as possibilidades de mudança são tão variadas e ao mesmo tempo tão escassas, a vida é tão longa – se pensarmos na longevidade – mas tão rápida – se pensarmos no mundo acelerado em que vivemos – que todas as decisões e escolhas passam a ser circunstanciais. Tudo depende do momento. E nesse caso, tudo pode ser para o todo sempre; ou não.

Verbos

Conjugar mais de um verbo e não apenas o “esperar”;

Andar, sair, ver, mover…

Sentir a brisa soprar um sopro de vida;

Uma esperança.

Alcançar o horizonte.

Chegar. Cessar a busca.

Recomeçar.

Caminhar pela areia,

Ouvir o mar,

sentir os grãos se movendo sob o pés.

Gritar, pular de felicidade. Correr.

Conjugar mais que um verbo.

Não apenas esperar.

Quarentões

917246_eyes_wide_shut.jpgExiste um momento na vida em que você para e olha para trás. É necessário ver as pegadas na areia e verificar se desviou-se demais do seu objetivo. Acho que essa é a razão da chamada crise da meia idade pela qual a maioria dos homens passa: quando não consegue ver as pegadas ou percebe que os desvios foram maiores do que o calculado. A crise pode ser decorrente de não ter feito nada, ou de achar que fez mais que devia; não importa. Cada um a manifesta de forma diferente.

Tenho um amigo que não concorda com isso. Para ele a razão da crise da meia idade é apenas uma: quando o homem percebe que já não é mais aquela potência que sempre pensou ser. Em resumo, está ficando brocha. Daí bate um desespero e com ele, a crise. Além disso é o momento em que a maioria dos homens – pelo menos a maioria honesta – passa a ter mais cabelos brancos. É a época da estabilidade financeira e da instabilidade emocional. É quando o cidadão faz as constas: “se estou com 40 e a expectativa de vida é de 72, 73 anos, tenho menos tempo pela frente do que os anos vividos”.

Se a crise da meia-idade existe e se ela se configura ou pelas dúvidas existenciais, ou pela tentativa de se passar por quem você não é – por exemplo, um garotão de 18 anos – estou nessa crise desde os meus 18 anos. Não pela segunda possibilidade, mas pela primeira. Desde que me entendo por gente tenho dúvidas e mais dúvidas a respeito de tudo e sou um exemplo dos paradoxos e utopias que rondam a Humanidade. Desde os 18, sou mais um chegando aos 40.

Quando era mais jovem dizia para os meus amigos que ao me encontrarem, anos mais tarde, estariam vendo a mesma pessoa. Sonhava em jamais mudar. Hoje, a música que mais toca na minha cabeça é aquela do Raul Seixas, que diz: “prefiro ser, essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Não sei ao certo o que aconteceu ao longo do percurso, a não ser que minhas certezas foram quase todas pulverizadas.

Diante dessas incertezas, resta pouco. Uma meia dúzia de palavras e mais ou menos 14.235 experiências, nesses aproximadamente 14.235 dias de vida. Confesso que mesmo assim não sei se acumulei conhecimento suficiente para ser o que sou. Nem sempre é possível. De certo mesmo, só umas tênues convicções baseadas numa filosofia barata de botequim.

Em busca do desenvolvimento

Localizado no litoral Norte do Estado do Rio, o município de São João da Barra, com aproximadamente 30 mil habitantes, está no limiar de conhecer um grande processo de desenvolvimento econômico. A chegada de um dos maiores investimentos realizados pela iniciativa privada em todo o Brasil, que tem como ponto de partida o Complexo Logístico do Açu, capitaneado pela MMX do empresário Eike Batista, está abarcando investimentos de causar inveja a qualquer país do chamado Primeiro Mundo.

Grandes empresas do mundo inteiro – e inclusive do Brasil – estão de olho no negócio. Argentinos e Singapurianos já manifestaram interesse em estabelecer-se por lá e dizem, até a japonesa Toyota cobiça um quinhão neste latifúndio produtivo. A comunidade local, que antes via com certa desconfiança a chegada do empreendimento, começa a ver e acreditar que o futuro poderá ser bem melhor.

Na praia do Açu, próximo de onde muitos mineiros passam as férias de Verão, será embarcada parte da riqueza extraída de lavras que ficam há mais de 400 quilômetros de distância. Um mineroduto transportará o produto, que será pelotizado numa unidade instalada na área do retroporto. O Complexo aproximou ainda mais os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Resultado mais importante do investimento, contudo, não são os bilhões colocados na obra, mas a geração de emprego e renda, decorrente disso, beneficiando a comunidade local. Essa tem sido uma preocupação constante da Prefeitura que junto com a empresa, iniciou um processo de capacitação da mã-de-obra, em parceria com o Senai.

O objetivo é impedir que ocorra o mesmo processo de esvaziamento conhecido por cidades portuárias como Umbu, no Espírito Santo. Além da capacitação, a cidade tem investido em infra-estrutura e vem preocupando-se com a preservação da rica fauna e flora que compõem seu ecossistema. Experiências mal sucedidas em outros empreendimentos do tipo tem sido observadas com lupa e por isso já estão sob análise uma série de projetos sociais e de compensação ambiental.