Meu amigo Juca Bala animou-se com a possibilidade de colaborar aqui com o Blog, essa tentativa de oferecer algo interessante para se ler. Como está muito no início, ele crê que aos poucos pode retomar a verve dos tempos de militância política estudantil. Não pretende, porém, revelar sua identidade, mantendo apenas o apelido que adquiriu quando era um jovem “incendiário”.
Somos amigos desde criança, quando nos conhecemos nas peladas de rua. Morávamos perto, mas estudávamos em colégios diferentes e agitamos os centros cívicos da então pacata Petrópolis. O objetivo era reabrirmos a Associação Petropolitana de Estudantes com o apoio de alguns alunos universitários e professores que foram fundadores ou diretores da instituição, falida durante o regime militar. Obtivemos sucesso na reabertura, mas não na gestão, entregue a alguém nada afinado aos nossos interesses coletivos. Um erro de avaliação nossa, devo confessar, mas a vida é assim mesmo. Nos afastamos da Associação e pouco depois ela foi fechada novamente, afundada em dívidas com o condomínio do prédio em que a sede própria estava instalada. Foi reaberta anos mais tarde e hoje não sei como se encontra.
Pouco depois ingressamos no mesmo partido político, escrevemos os primeiros números do jornalzinho da CUT – Central Única dos Trabalhadores – e seguimos lado-a-lado até o primeiro período do curso de Direito, da Universidade Católica de Petrópolis. Também participamos de movimentos sociais e durante muito tempo acreditamos na esquerda brasileira. Embora Juca não acredite mais nos políticos, tem a respeito de Roberto Freire, Fernando Gabeira, Jefferson Perez e Pedro Simon a idéia de que são raros exemplos a serem seguidos.
É um anarquista convicto, mas não pensem que por isso gosta de bagunça. Defende a idéia de que governos e políticos são dispensáveis e que o cidadão tem que ser capaz de gerir a coisa pública como se fosse o membro de uma associação organizada. Nunca gostou de chefes e cabrestos e por isso afirma que não seria um bom oficial do Exército, como sonhava seu pai. Também não deu certo como funcionário concursado do Banco do Brasil. Resolveu cursar Agronomia.
Hoje, vivendo como produtor rural do interior de Goiás, Juca Bala é uma das raras espécimes que mantém suas convicções cada vez mais vivas. Assim como eu, não está mais naquele partido no qual ingressamos. Desacreditou nessa forma de atuação política, mas é um ativo integrante de sua comunidade, contestando, quase sempre, aquilo que é determinado pelo grupo que manipula o poder local. Esse grupo colocou no controle um prefeito titubeante, de personalidade fraca e que deixa a corrupção correr solta.
Ao longo desses quase 30 anos de amizade sólida, construída em um tempo em que tínhamos uma idéia muito remota do que poderia ser um computador – e para nós isso era coisa de ficção científica – quando a gente comia frutas roubadas nas árvores da vizinhança, jogava bola na rua, construía casas nas árvores e andava de bicicleta sem nos preocuparmos com o futuro, sempre estivemos monitorando um ao outro, apesar da distância.
Depois que deixou de ser aluno semi-interno do Colégio São José, em Petrópolis, ainda nos encontramos em algumas aventuras, como uma escapada até a Bolívia, tendo como meio de transporte o Trem da Morte, que ia – ou vai – de Corumbá até La Paz. Nessa época, ele havia retornado para o Centro-Oeste, onde seu pai tinha uma propriedade cuja extensão se perdia no horizonte. Voltou à Petrópolis pouco depois para cursar Direito na UCP, mas desistiu ao final do primeiro período, após, claro, agitarmos as eleições do Diretório Acadêmico Ruy Barbosa, que me rendeu um pouco de fama e uma até então inédita vaga no time de futebol de salão (hoje futsal). Era reserva, mas jamais um aluno de primeiro período participara do time que disputava as olimpíadas internas da universidade.
Abaixo reproduzo seu e-mail, produto de uma das nossas muitas conversas por esse meio maravilhoso de comunicação que é a internet:
“Rapaz, demorou, mas até que enfim tu se manifestou.
Já era tempo de fazeres alguma coisa produtiva – ou não – nessa tal de internet. Por aqui me ocupo mais com a leitura diária dos jornais e dos e-mails e acompanho as cotações dos grãos preocupado com o que estamos plantando no sítio. Meus filhos é que mais acessam essa coisa. Vivem conversando com os amigos, coisa que até nós fazemos eventualmente.
Gostei de ver o que tens escrito. Ainda manténs aquele sonho juvenil e o espírito puro. Isso é bom para um sujeito há tanto tempo envolvido com política. No entanto, acho que poderias dar umas cacetadas nessa turma que anda judiando muito de todos nós. Não sei ao certo como estás por aí, mas se não puderes e aproveitando o convite que me fizestes, cumpro essa função com muito gosto.
Andei pensando em escrever sobre os corruptos daqui. Apesar da distância, a internet nos aproxima e acho que os exemplos podem ser aplicados em qualquer lugar. Não sei se te contei, mas o prefeito daqui é um sujo, um larápio que está ficando rico às custas do sofrimento do povo. Veja só você: recentemente ele inaugurou umas casas populares a fim de trocar a moradia por voto. Para garantir, trouxe gente de outras cidades e colocou nessas casas, transferindo, claro, o título eleitoral.
O clima político daqui é muito acirrado. São dois grupos, basicamente, disputando o Poder. É a velha história: quem está dentro não sai, quem está fora quer entrar. Me parece até aquele baião do Luiz Gonzaga. Só que ao contrário da música, que dizia “olha que isso aqui tá muito bom”, a coisa não anda nada boa por essas paragens. Andei agitando a moçada contra o Ali Babá e seus 40 ladrões, mas não deu muito resultado. Sou uma voz quase isolada nesse universo de pilantragem, onde os homens usam a força e o dinheiro para controlar veículos de comunicação e mover céus e terras contra aqueles que trabalham em defesa do que é correto.
Não sei como é aí na cidade que estás morando, mas aqui se utilizam até de ataques contra o prefeito de uma pequena cidade vizinha para desviar a atenção do Judiciário local. Como o sujeito dessa cidadezinha – que está se tornando próspera – vem despontando como uma liderança regional, como ele conduz a prefeitura sem interesses financeiros e mesquinhos, como está mudando os conceitos de administração e modernizando a máquina pública e vem conseguindo aumentar a receita para beneficiar a população local, escalaram um assessor do prefeito para sentar o porrete no sujeito, ou seja, no prefeito da cidade vizinha, fazendo das tripas coração para criar dificuldades contra ele, que inclusive é aliado do grupo político que faz oposição ao “chefe” do Executivo na minha cidade.
Parece obra de ficção, mas juro a você que é verdade. Te digo, inclusive, meu amigo, que os dois grupos políticos, o de situação e o de oposição, são muito ruins. É verdade que os oposicionistas de hoje já foram Poder um dia e de certa forma deram cara nova à cidade. Mas depois descambaram para uma política clientelista e autofágica. Em algum momento mudaram o rumo e todos eles, que faziam parte do mesmo barco, passaram a brigar entre si, criando um clima de guerra, péssimo para a condução da coisa pública.
Bem, em outro e-mail te mando mais notícias. Agora preciso sair para o campo e acompanhar o trabalho por lá. Lembra aquele sonho dos Kibutz, que teu pai um dia explicou pra gente? Pois tentamos uma experiência semelhante por aqui e há cinco anos vem dando resultado. Foi uma época em que a safra foi aquém do esperado e eu fiquei sem capital para cumprir os compromissos. Chamei o pessoal que trabalha comigo – muitos deles haviam trabalhado com meu pai – expliquei a situação e nos unimos em busca de uma solução. Saímos da monocultura e partimos para uma experiência diferente. Todos, hoje, têm carro – alguns também têm motocicleta – boas moradias, plano de saúde, um pedaço de terra e uma reserva no banco.
Falta você por aqui, meu irmão, para ajudar a gerenciar isso que está se transformando numa pequena agroindústria, mas sei dos teus compromissos aí, além da dificuldade de mudar uma vida inteira. Quem sabe um dia! Aqui poderíamos criar aquele jornalzinho com o qual sonhávamos quando nos metemos a colaborar com o pessoal da CUT, que aliás, por aqui é muito legal. O MST é que andou ensaiando uma invasão, mas foram chamados pelos meus sócios que explicaram a eles que não existe latifúndio improdutivo por essas terras e tudo ficou em paz.
Encerro por aqui, mas em breve mando mais alguma coisa para o teu Blog. Será que poderia chamá-lo de nosso Blog? Gostei dessa possibilidade de retomar algo há muito tempo deixado para trás.
Um grande abraço, Juca.
PS: Juca, o Blog é nosso e de todos aqueles que tiverem boas intenções e se interessarem.